20 de dezembro de 2010

Resignação

Estou feliz.

Tem uma lata de leite condensado aberta na minha geladeira, já olhei umas quatro vezes e não comi nem uma colherzinha.

Assim sou eu.

E estou feliz por isso.

O sorvete

Hoje tomei sorvete e misturei vários sabores de uma vez só, com várias coberturas e aquelas coisas que engordam. Fiquei feliz, foi bom.

A vida podia ser assim, já que nunca sei qual sabor escolher. Podia ser um tiquinho de cada e tudo estaria tão bem. Ruim é quando tem feijão no pote de sorvete! Quando a gente pega a taça, colherzinha, tudinho e de repente a decepção!

Às vezes só um daqueles sorvetes de saquinho que vendem por aqui, o Cremosinho... Às vezes aquele feito por vó, o Suquinho... Às vezes sede.

Mas sabe, às vezes só ir até a cozinha e abrir a geladeira já é o bastante. Vocês, que gastam dinheiro com psicanalistas, não sabem o quanto desperdiçam o potencial de suas geladeiras, essas sábias.

Ando sem comer e é por isso que estou assim. Não aconteceu nada, não vou morrer e este texto é besta propositalmente, igual eu.

Eu quero ser mais besta e burra e indiferente. E me importar menos. Por isso nem adianta criticar estas palavras, faço do blog o que eu quiser, não é?

Depois um dedo na garganta e a culpa toda pelo ralo. Pena que não dá pra fazer isso com o resto da vida, mas ainda vou saber como, ainda aprendo, sempre aprendo algo.

10 de novembro de 2010

Teu silêncio

Teus cabelos, meus dedos: deslize perfeito. Era uma brincadeira de esconde-esconde e em ti eu me encontrava. Quantas vezes meu passatempo não fora contar tuas incurssões respiratórias?! Quando dormias em meu colo, minha preocupação era se eu fazia parte dos teus sonhos. Mas tua voz, teu timbre, ah, esses acabavam comigo! Queria acordar-te, ouvir-te... Teu silêncio era meu castigo e meu pódio.

O único som audível nesse momento era o eco da minha mente. O mundo lá fora em fúria e eu como um personagem absurdo com um turbilhão de indagações girando ao redor de si. E depois eu via a cena, tu me chamando de louco, só porque diria que meu maior medo era que tu fosses acordada pelos meus pensamentos. Precisava calar meu silêncio e destiná-lo a ti.

Teus olhos fechados ali eram a explicação para os teoremas da minha vida, eu encontrava todas as respostas procuradas. Minhas incertezas e inseguranças, todas elas sumiam diante das tuas pálpebras. E meu desejo era dizer de uma vez tudo isso, de dizer o que sinto e que tua voz é igual canto de sereia pra mim. Mas já era tarde, nessa hora tu já terias arrastado-me para o mar de teus anseios e eu estava destinado a ser hipnotizado e morrer asfixiado pelo nosso amor.

4 de novembro de 2010

Minha personagem

E lá estava ela debruçada sobre seus três sagrados travesseiros, com aquela cara de birra que me dava raiva e vontade de ir até lá calar aquele silêncio com um beijo até ela perceber que não, não tenho cavalo branco.

Na verdade, nem sabia ao certo por que raios ela estava com raiva. Raiva por eu ter feito papel de besta? Por eu ter cruzado sete quarteirões a pé atrás do maldito sorvete de morango já que ela não tem paladar refinado o suficiente pra admitir que o de doce de leite é o imperador entre todos os sabores de sorvete já inventados na galáxia? Raiva por eu ter cancelado meu futebol com o pessoal da faculdade graças àqueles olhos convidativos e infantis? Ah, talvez por eu ter recusado o convite pra ir na despedida de solteiro do Marcão pra não deixá-la sozinha. Qualquer homem normal poderia dizer qualquer uma dessas, afinal, estamos falando do Jardim Secreto existente na contraditória mente feminina. Mas eu não podia. Era uma garota difícil de explicar-se e explicar: somei A+B e entendi que estava com raiva porque não aceitei abrir mão de assistir Botafogo x Santos junto com minha torcida, ela queria assistir junto com os “Loucos pelo Botafogo”, mas só se EU estivesse louco! Ela planejou uma viuvez precoce? Não queria que todos aqueles meus planos de “e viveram felizes para sempre” se concretizassem? Era só dizer, mas não precisava arquitetar minha morte! Enquanto gritassem “Uh, É Loco Abreu!” eu gritaria “Vai tomar no c*, Loco Abreu”, sendo que ainda nem pensei no meu epitáfio!

Eu tentava construir argumentos, mas aquela cara de raiva distraia qualquer ordem lógica dos meus pensamentos. Peguei meu computador e decidi que ia competir no mesmo nível: comecei a escrevê-la e sabia que logo ela viria pular no meu colo, curiosa, doida de vontade de ver quais adjetivos eu usara! Mas então, o que dizer? Não abriria mão de uma boa pitada de indignação diante do episódio do jogo, oras! Tampouco seria ácido o suficiente para fazer com ela me negasse os carinhos de reconciliação... Ah, eu tinha que ser o famoso meio termo, aquilo que faz com que nós, homens, não sejamos taxados nem de bestas, nem de insensíveis, o meio termo capaz de garantir minha felicidade após aquela minha insossa tarde de domingo em que perdi aquele jogaço e acabei simplesmente ouvindo um comentarista fajuto da CBN dizendo que Neymar era um frango! Se alguém tinha que estar zangado nessa história, esse alguém seria eu! Ela estava intacta, mas quem quase enfartou, fui eu! Eu que assisti aqueles 95 minutos de jogo sob a tensão, a possibilidade de me ver no G-4! Ela, uns gritos aqui, outros xingamentos ali, mas sem demonstrar muita interação com o adversário moral, eu. Ah, sem contar que o amor pelo El Loco beirava níveis estratosféricos, como se ele estivesse estericamente mais “LINDOOOO” que o normal e adivinhem pra quê? Pra me provocar, claro.

Controlei-me e decidi que o melhor seria camuflá-la dentro de uma outra “ela” qualquer, uma outra história que proporcionasse um olhar flamejante de ciúmes. Eu adorava aquela cara de insegurança e sabia descrevê-la de olhos fechados: mordia canto esquerdo da boca, arqueava a sobrancelha do mesmo lado, evidenciava a covinha, remexia o nariz e desviava o olhar para os lados, cantos, qualquer outro lugar, menos o meu. Aí depois era toda uma seqüência, o caminho mais rápido para o ponto final naquele clima de orgulho.

Não sabia em qual “ela” iria escondê-la. Uma cigana ladra de corações alheios? Uma idosa profunda conhecedora dos sentimentos masculinos? Uma menina de rua impetuosa e valente? Uma balzaquiana no auge da sua vitalidade? Uma garotinha que tropeçava em si mesma? Não tive tempo de decidir, em um segundo ela estava ali em meus braços, descalça como estava, rápida, imprevisível como só ela:

- Vamos pular a parte que eu tenho que me adivinhar aí e você tenta esconder-me?

- Como assim?

- Assim!

E foi o maior dos beijos, aquele que poderia ter sido a foto para o convite do nosso casamento caso alguém tivesse registrado. Essa mulher mudou minha vida. Pra melhor? Pra pior? Não sei, só sei que amanhã instalarei uma câmera de segurança naquele que poderia ser o canto de maior inspiração para as comédias românticas. Estamos perdendo dinheiro.

P.s.: agora ela vira de lado e briga que a luz do notebook não está deixando ela ter o sonho que “anjos de candura” merecem ter. Meu Deus, onde arrumei uma dessa?!

31 de outubro de 2010

Vulnerabilidade

Um instante de dor súbita e foi o suficiente para que ela achasse que aquilo era o presságio de todo um futuro.

- Ai, meu Deus!

Hiperbolicamente efusiva, começou a desatinar uma série de repetições e citações que dariam náuseas a qualquer bom leitor. Lia, relia, mas continuava. Seu lápis não tinha freio, mas de repente decidiu cortar tantos adjetivos, advérbios, enxugar o texto que pingava literatice.

- Menina, perdeste a cabeça onde?! Trate de voltar a este planeta que por enquanto é aqui que vais ser alguém!

- Sim, senhora...

Dobrou os rabiscos feitos naquela requisição de exames e sussurrou qualquer coisa por entre os dentes.

Naquela tarde a agonia andava em loops de montanha russa e ora chegava a ebulir, ora formava estalactites. Precisava parar com extremos antes que enlouquecesse. Precisava e decidiu parar. Lembrou de uma música e repetiu como um mantra:

- Conhece-te a ti mesmo e eu me conheço bem! Eu me conheço bem, eu me conheço bem, eu me conheço BEM!

Como se isso fosse fazer alguma diferença naquela cabecinha oca infestada de teimosia. A avó, por exemplo, julgava ser caso perdido, “nem responsando Santo Antônio, meu Deus!”. Mas ainda havia quem apostava em um ímpeto de lucidez, desses que sacodem e dão um sopro de seriedade aos mimados:

- Vocês vão ver, um dia desses essa menina toma tenência e corre o risco de ter mais prudência que nós todos juntos, vocês vão ver só...

- Até parece... Como se já não tivesse idade suficiente pra isso! Mas não, sempre a mesma coisa, a mesma garota avoada que se perder a agenda, perde consigo um pulmão!

- Esperem, esperem, anda faltando é preocupação além dos livros, é isso que falta...

Aquele clima talvez fosse o propício, o clima de preocupações além dos livros previsto pela tia. Gotas de suor escorrendo pela testa que faziam com que ela já não agüentasse a guerra civil do seu cansaço com sua curiosidade, como se estivesse sendo repelida daquele habitat selvagem que era o hospital. Sentia-se onça, coruja, passarinho... E quando menos percebia, estava com a cabeça em vários lugares, menos ali, na enfermaria.

- Amália? Amália? Amááália, criatura, que há contigo?!

- Oi?! Não, nada!

- Preciso que tu segures a mão daquela paciente enquanto eu verifico a jejunostomia dela... Temos sinais de abdome agudo e talvez ela precise entrar ainda hoje no Centro Cirúrgico. Mas olha, estou te pedindo isso porque tu és assim sentimentalóide e ela precisa de alguém nesse momento: vai doer, vai doer bastante, está muito inflamado, necrosando, enfim... Segura a mão dela como se fosse a tua avó, ‘tá ouvindo?!

- Aham, sim.

Amália segurou a mão daquela paciente como se o gesto fosse bacteriostático pra’queles germes causadores da sepse, como se de uma vez só ela fosse capaz de aumentar o nível de albumina naquela velhinha já tão desnutrida, como se estivesse diminuindo o risco cirúrgico, como se fosse a própria responsável por dar um sopro de vida naquele leito.

Mas Amália espantava-se com a atitude e fáscie da paciente, Dona Maria. De todos ali, era a que aparentava mais serenidade, apesar das intervenções do médico, sem qualquer tipo de anestesia. Amália intrigara-se, mas ficou calada. Dona Maria notou certo espanto e havia escutado a recomendação do professor àquela aluna. Então, balbuciou baixinho palavras que as outras pessoas em volta não seriam capazes de entender, palavras meio faladas, meio olhadas... Palavras meio sentidas por ela, meio sentidas pela interlocutora; palavras que jamais sairiam da mente daquela aluna e que foram o tiro de revólver que deu a largada na corrida à vida adulta daquela menina... Palavras que Dona Maria sabia que precisavam ser ditas, que aquela menina precisava e inconscientemente queria ouvir:

- Sabe, eu já não tenho mais nem lágrimas p’ra chorar...

O resto da frase foi dito com o olhar das duas. Amália pela primeira vez não sabia o que dizia ou fazia, todo aquele ímpeto de garota espontânea foi seqüestrado por apenas algumas palavras. Envergonhada por ter lágrimas, saiu do quarto, encostou-se no corredor e chorou por ela, por Dona Maria e por todos aqueles que já não podiam, por todos esses e por muitos outros.


(Ficção?! Quem sabe...)


27 de outubro de 2010

Olhares

(Carregue o vídeo abaixo: Seu Olhar - Ceumar)



Tenho vontade de entender os tantos olhares que encontram outros e falam de coisas que nem sempre os interlocutores podem acreditar. Ah, se pudéssemos entender o que dizem os seus, os meus, os nossos olhos! E nem no samba, nem na anatomia: são fardos de complicação.

São feitos de córneas, cristalinos, íris, nervos e mais incríveis dez camadas histológicas capazes de deixar qualquer estudante de Medicina jurando céus e terras a seus padroeiros em vésperas de prova. Além dessas, o que dizer das várias outras promessas que circundam tais órgãos? Na verdade, às vezes deixam de pertencer ao corpo humano e compõe um verdadeiro arsenal bélico: enganam, ferem, machucam, dilaceram.

Dão conta também de ser porta-voz de todo um indivíduo: olhos nos olhos e tudo estará dito; olhos nos olhos e quero ver o que você diz, como cantam os olhos verdes que mais causam suspiros entre as amantes da Música Popular Brasileira.

Mas no final das contas, olhares não são feitos para serem catalogados ou legendados, cada qual atribui o significado que melhor lhe convém ao olhar alheio e esse nem sempre condiz com a real intenção.

Já disseram-me que tenho olhos de Esfinge e ando a ponto de devorar quem não me decifra, tal qual os sorrisos monalísicos; que dissimulo olhos de ressaca a fictícios Casmurros; que o poeta boêmio traduzira-me o olhar de naufrágios... Talvez nenhuma das interpretações seja correta, talvez todas sejam. Mas e o seu olhar, o seu olhar melhora o meu? *cantarola*

26 de outubro de 2010

Monalisando

Este é um texto que não deveria ser. A alegria que seria e desistira no meio do caminho; a ausência brincando de esconde-esconde. E neste momento está um vento daqueles que dão um tapa com luva de pelica em qualquer solidão, talvez por isso estou aqui, escrevendo.

Aliás, é preciso que saiba que não quero nem preciso do sentido das frases bem
construídas, pontuadas, paragrafaseadas. Minha procura não é por orações ordenadas. Elas simplesmente vão chegando e sambando, sem senha ou nome em lista VIP. Samba de crioulo doido em festa de granfino, com boas doses de álcool para anestesiar o que quer que seja.

Antes de tudo, é preciso que saiba que minha querência, desde outrora, é sentir. Conversa pra outro momento, mas adianto que acho a significação de tal verbo subestimada. Intransitivo indireto, sem regras, normativas ou imposições e carregando consigo uma ironia peneirada, pronta pra me arrebatar. Tal qual minha intenção aqui.

Em algum momento, a queda. Não que seja difícil me derrubar, qualquer sorriso torto já é meio caminho andado. Qualquer promessa ou adivinhação de Esfinge. Não acha o difícil bonito? Eu acho. Além do difícil, um campo gravitacional me puxa em direção ao errado e isso é uma das coisas mais lindas que há. Deve ser poético assim como era morrer de tuberculose no século XIX. Isso é meu escarro hemoptóico. Afinal, se não fosse o perigo, o mundo politicamente correto seria intragável. Não sei você, mas eu não quero um mundo em que eu não possa sair por aí à toa, um mundo de sanções e repreensões, de convenções abstratas em que domesticariam aquilo que mais prezo: minha liberdade de ter o sorriso que eu bem entender.

Meu sorriso indeciso entre pedido de socorro, convite ao perigo ou ameaça de felicidade.